Regulação das responsabilidades parentais
Superior interesse da criança e residência alternada
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, embora não resulte da lei que a residência alternada seja tida pelo legislador como o regime regra, existem vários argumentos a favor da mesma que justificam a sua aplicação sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, tal corresponda ao superior interesse da criança.
Situação:
Um pai pediu que fosse alterado o regime de exercício das responsabilidades parentais em relação aos seus dois filhos menores, nascidos em 2006 e em 2008, alegando que os mesmos tinham ficado à guarda da mãe, mas que estavam reunidas as condições para ser fixado um regime de guarda alternada. A mãe opôs-se a esse pedido, defendendo que tal provocaria instabilidade nos filhos.
Depois de ouvidas as crianças e de realizada a conferência de pais e o julgamento, a ação foi julgada improcedente e mantida a residência dos menores com a mãe. Inconformado com esta decisão, o pai recorreu para o TRL.
O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e alterando a regulação das responsabilidades parentais, fixando a residência alternada dos menores.
Decidiu o TRL que, embora não resulte da lei que a residência alternada seja tida pelo legislador como o regime regra, existem vários argumentos a favor da mesma que justificam a sua aplicação sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, tal corresponda ao superior interesse da criança.
Depois das alterações introduzidas em dezembro de 2020, as quais são aplicáveis às situações em curso, a lei passou a dispor que, quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
Embora dessa atual redação da lei não resulte a imposição da residência alternada como regime regra, existem vários argumentos a favor da mesma, nomeadamente:
- O facto de satisfazer o princípio da igualdade dos progenitores; de permitir uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da identidade pessoal do menor;
- De diminuir o conflito parental e prevenir a violência na família;
- De potenciar a qualidade da relação entre o progenitor e a criança;
- De reduzir o risco e a incidência da alienação parental;
- De manter relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio;
- De diminuir os conflitos de lealdade que os jovens possam ter em relação aos pais;
- De fortalecer a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e de reforçar o papel parental e uma melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.
Nesse sentido, a residência alternada pode ser mais benéfica para o menor do que a residência exclusiva com um dos progenitores, aproximando-o da situação que existia quando os pais viviam na mesma casa, ajudando a eliminar os conflitos, a reduzir os efeitos do impacto da separação e a fortalecer a atividade e os laços afetivos entre pais e filhos.
O argumento assente na instabilidade que a mudança de residência pode provocar deve ser relativizado uma vez que a instabilidade é uma realidade na vida de toda a criança com pais separados. Trata-se de mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas e que as vantagens da residência alternada sobrelevam face a tal inconveniente.
No caso, tendo em conta que as famílias reconstruídas dos progenitores mantêm e projetam uma relação de afeto com os menores;
- Que o pai evidencia competências parentais, afeto pelos filhos e vontade de exercê-las em prol dos mesmos, sendo essa atitude uma fonte de bem-estar emocional dos menores;
- Que os filhos reagiram com agrado ao facto de terem passado a privar de forma alargada com o pai;
- Que estão no limiar da puberdade, fase etária de progressiva autonomização face aos progenitores;
- Que estes mantêm um nível de colaboração satisfatório em prol dos menores e que ambos têm condições económicas e habitacionais mais do que suficientes para facultarem aos filhos uma vida confortável, residindo com proximidade entre si e da escola, o supremo interesse dos menores justifica a alteração do regime para uma residência alternada.
Para o efeito há que ponderar, não tanto a gratificação imediata resultante dessa alteração, mas sim os benefícios a médio-longo prazo na vida dos menores com a sedimentação de uma vinculação afetiva no dia a dia com o pai, com a supressão de conflitos de lealdade e com o previsível apaziguamento da conflitualidade entre os pais, circunstâncias que abonam o seu desenvolvimento equilibrado, saudável e com autoestima reforçada.
Tendo a vontade expressa pelos menores de ser sempre analisada com cuidado, em função da sua idade e maturidade, sem nunca lhes atribuir o papel de decidirem com quem desejam ficar, para que não se reforce um conflito de lealdade ou um eventual sentimento de culpa perante a separação e o conflito dos pais.
Estando no centro da disputa paternal e manifestando conflitos de lealdade, é natural que os menores não tenham a capacidade de antever, a longo prazo, as vantagens que a residência alternada lhes poderá trazer para a sua vida, quedando-se por um raciocínio mais imediatista de esquiva e desagrado perante o nível de relacionamento dos pais, que poderia ser melhor.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de dezembro de 2020
Código Civil, artigo 1906.º
Lei n.º 65/2020, de 04/11
– A leitura do artigo não dispensa a consulta de um Advogado. Estamos ao V. dispor.
Sara Tavares
Advogada
